Bullying: o que é e o que podemos fazer


Muitas vezes encontramos crianças e adolescentes que resistem em ir à escola, apresentando queda significativa no envolvimento e no desempenho acadêmico. Diante disso, os pais ficam confusos quanto ao que está acontecendo, questionando-se sobre o que fazer. Algumas hipóteses podem ser levantadas, dentre elas o padrão negativo das interações entre os colegas, ou mesmo entre professores/ funcionários e alunos. Neste contexto, destaca-se o bullying, cujos primeiros estudos não acompanham as suas primeiras manifestações na história da humanidade e cujas consequências são desproporcionais à sua concepção comumente inofensiva.

Dan Olweus, pesquisador norueguês que se dedicou ao estudo de interações entre crianças e adolescentes na década de 70 [1], denominou bullying como comportamento agressivo e negativo, que ocorre repetida e sistematicamente ao longo do tempo em um relacionamento que envolve desequilíbrio de força e poder (físico e/ou psicológico). Outro fator que caracteriza o bullyingé o aspecto individual ou grupal do agressor e também da vítima, além do fato de não haver motivo evidente para ataques e existir a intenção de subjugar o outro ao seu poder. Ademais, constata-se diversas modalidades desta agressão: direta ou indireta, física, psicológica, sexual ou virtual.

O bullying se manifesta no ambiente escolar a partir do momento em que, diante de uma diferença física ou de comportamento social específico, uma vítima se destaca perante os demais, atraindo a atenção negativa dos pares. A presença de algum acessório (como óculos de grau ou aparelho ortodôntico) ou de doença, deficiência física ou intelectual; baixo peso ou obesidade, raça, etnia ou condição socioeconômica diferente da maioria; bom ou mau desempenho acadêmico, retraimento social, dentre outros, são geralmente os estímulos mais comuns para a agressão. Diante disso, surgem os apelidos pejorativos, as intimidações, as piadas de mau gosto, o abuso de força física, a coerção para práticas sexuais, a extorsão de objetos pessoais, os insultos em redes sociais e fotos espalhadas através de Bluetooth, entre outros. Até aqui, a ocorrência do bullyingé episódica.

No entanto, os ganhos diretos e indiretos resultantes deste episódio podem ser responsáveis pela alteração da frequência da agressão. Dinheiro e objetos pessoais extorquidos, reconhecimento social e popularidade perante os pares, o poder e o prazer em dominar, intimidar e causar sofrimento às vítimas já aumentam a probabilidade de ocorrência de outro episódio agressivo, perpetuando a violência e caracterizando o bullying, pois a agressão passa de episódica para contínua. Desta forma, percebe-se que o agressor discrimina uma maneira fácil e desabilidosa para conseguir algo através da coerção e, obtendo sucesso, é mais provável que novamente apresente esse padrão de comportamento com essa pessoa ou com outras.

Quanto à vítima, esta pode comportar-se de duas formas perante o bullying: submeter-se às ameaças ou comportar-se de forma agressiva com quem lhe oprime ou mesmo com outros colegas. Na segunda hipótese, ao agir dessa forma o aluno acaba perpetuando a violência por observarem as consequências sociais advindas do comportamento agressivo na escola ou mesmo por uma inabilidade no enfrentamento da agressão.

Neste cenário, tem-se também os expectadores, que são aqueles que se envolvem indiretamente com o bullying, podendo participar ativamente dos episódios, auxiliando o agressor (muitas vezes achando que se comportando assim evitam a probabilidade de serem as próximas vítimas); atuando como observadores (geralmente reforçando o ataque pelos olhares); ou saindo da cena em busca de ajuda, delatando a agressão aos educadores.

Esclarecido o contexto do bullying, cabe destacar aqui fatores que tornam mais prováveis o comportamento agressivo nas relações interpessoais infanto-juvenis. Partindo do pressuposto de que, ao chegar à escola, a criança se comporta de acordo com o treinamento social recebido em suas interações pré-escolares, conclui-se que o comportamento agressivo dos jovens recebe influência direta da família, que é o primeiro grupo a educá-los.


Pesquisas [2] tem destacado aspectos da criação de jovens que se envolvem com o bullying. No caso dos agressores, constatou-se que há uma educação com pouco afeto incondicional, déficits no envolvimento e na participação da rotina diária dos filhos, além de pouca exigência, com fraco estabelecimento de regras e limites. Considerando o grupo das vítimas, os pesquisadores enfatizaram a superproteção dos pais e a baixa exigência, fatos estes que não permitem o pleno desenvolvimento de habilidades de enfrentamento necessárias para a resolução de problemas, favorecendo o comportamento passivo. Já no grupo das vítimas-agressoras, há evidências de que a exposição contínua à violência e abusos em casa, a rejeição dos pais e o uso de práticas negativas (como punição) influenciam no comportamento agressivo de crianças e adolescentes. Dessa forma, experiências precoces de vitimização, de agressividade e de poucos limites por parte dos adultos influenciam negativamente a criança, favorecendo o envolvimento no bullying.


No entanto, apesar de a ênfase ser atribuída à família, destaca-se a importância da escola neste contexto. Com a admissão da criança, a escola necessita dar continuidade à educação social, complementando o ensino proporcionado pelos pais no tocante a valores, convivência social, educação cívica e moral, além da parte acadêmica.


Antes concebida como apenas uma realidade americana, os ataques armados à escolas provocados por alunos com perfis de vítimas de bullying também estão se estendendo às escolas brasileiras. A mais recente data de 2011, em uma escola pública de Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro. Dessa forma, observa-se que os responsáveis pelos ataques recorriam às armas para “combater” o poder e a coerção a que eram freqüentemente submetidos no recinto escolar.


A Psicologia, dentro das medidas preventivas de bullying no contexto escolar, aborda o relacionamento interpessoal desenvolvendo habilidades sociais que são úteis na situação de conflito interpessoal (autocontrole emocional, resolução de problemas, expressividade emocional, dentre outros) e promovendo atividades que fomentem a empatia, o respeito e a tolerância às diferenças. Atividades de socialização de alunos novatos, mediados por alunos veteranos que apresentem boa aceitação entre os pares, também são úteis para aumentar a probabilidade de melhor recepção do recém-admitido.


Ao passo disso, a escola oferece a sua contrapartida quanto ao manejo da agressão entre pares, promovendo um clima escolar favorável à denúncias (ou seja, abrindo canais de comunicação entre estudantes e educadores e, sobretudo, consequenciando adequadamente os episódios de bullying), orientando pais em reuniões e também oferecendo suporte médico-psicológico na comunidade para aqueles estudantes que já estão apresentando sinais de agravo à saúde física e prejuízos significativos ao repertório comportamental.

Ao trabalhar preventivamente, família e escola evitam a evasão escolar, o engajamento dos estudantes em atividades de risco (como uso de drogas, porte de arma), os agravos ao desenvolvimento e à saúde mental dos alunos (depressão, transtornos de ansiedade, suicídio, déficits em habilidades sociais, estresse e queixas somáticas) e consequências nefastas à socialização dos mesmos.


Já quanto aos pais, finalmente, algumas orientações são válidas:

1.Desde cedo, eduque suas crianças para perceberem e respeitarem as diferenças interpessoais, estimulando a tolerância e também a empatia diante do sofrimento alheio. Além disso, procurem equilibrar expressões de afeto, envolvimento, participação e comunicação positiva com estabelecimento de regras e limites, supervisão e monitoria de suas atividades. Desta forma, não estarão apenas prevenindo o bullying, mas educando para melhor adaptação ao ambiente e para o enfrentamento de várias situações adversas que a vida ainda lhes proporcionará.

2.Esteja atento a como seus filhos chegam em casa: uniforme rasgado ou desalinhado, livros estragados e perda de alguns pertences são sinais de vitimização. Outros indícios são os raros convites para festas ou atividades de lazer, o fato de não levarem colegas para casa (e também de não frequentarem a casa deles), de serem os últimos escolhidos nos jogos esportivos. É também comum apresentarem queda súbita no desempenho acadêmico, além de medo de ir à escola, muitas vezes apresentando fortes crises de ansiedade na iminência de uma aula. No campo da saúde, observa-se que há a presença de falta de apetite, dores de cabeça ou estomacais, insônia ou sono perturbado e tristeza.


3.Caso seus filhos peçam excessivamente dinheiro ou objetos, inclusive furtando em casa, é possível que esteja se utilizando de uma estratégia para enfrentar a extorsão na escola, sobretudo se for acompanhado dos demais indícios supracitados. Se, por outro lado, se comportarem agressivamente em outros ambientes, portando dinheiro ou objetos, cuja origem é desconhecida e trazendo explicações frívolas sobre isso, não hesitem em abordar o caso e entrar em contato com a escola.

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[1] OLWEUS, D. (1993). Bullying at School: what we know and what we can do.Oxford, England: Blackwell.

[2] Trata-se de uma pesquisa realizada entre 2007 e 2009, desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná, cuja amostra envolveu cinco cidades brasileiras: Curitiba-PR, Governador Valadares-MG, Formosa-GO, Goiânia-GO e Teresina-PI. Seu resultado pode ser conferido aqui.
Juliana de Brito Lima é Psicóloga (CRP 11ª/05027), formada pela Universidade Estadual do Piauí e especializanda em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento – IBAC. É membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC e Psicóloga do Centro Integrado de Educação Especial – CIES e da Clínica Lecy Portela, em Teresina-PI. Tem experiências acadêmicas (linha de pesquisa “Desenvolvimento da criança e do adolescente em situações adversas” do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná/ NAC-UFPR) e profissionais na área clínica (atendimento a criança, adolescente e adulto), jurídica e educação especial, na orientação de pais.
Fonte: Instituto de Psicologia Aplicada - InPA
Contato: juliana@inpaonline.com.br
Telefone - (61) 3242-1153

Um comentário:

Unknown disse...

Excelente abordagem.