TOCando os medos: conhecendo o Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Ansiedade, rituais, pensamentos obsessivos, verificações, contagem e comportamentos supersticiosos. Esta é a rotina de pessoas que apresentam o transtorno obsessivo- compulsivo (TOC). Estas características acarretam enormes prejuízos à qualidade de vida e ao funcionamento social do indivíduo. Embora acometa pessoas de todas as idades, os melhores prognósticos envolvem os tratamentos precoces, especialmente na infância. Sim, crianças também apresentam o transtorno: a idade média de início é de 9,6 anos para os meninos e de 11 anos para as meninas (Koran, 1999) [1]. Pais bem informados podem detectar precocemente o transtorno, e este texto busca contribuir para isso.
 
Como o próprio nome indica, o TOC define-se essencialmente pela presença de pensamentos persistentes, impulsos ou imagens que são intrusivos e sem sentido e também por comportamentos repetitivos, premeditados e intencionais que são desempenhadas em resposta a uma obsessão. Esta, por sua vez, destina-se a evitar desconforto ou algum evento ou situação temidos. Observa-se, portanto, que as obsessões são eventos cognitivos (comportamentos privados) e as compulsões são comportamentos públicos. A denominação privado e público se deve pelo fato de que, no primeiro caso, só o sujeito tem acesso – a menos que os explicite através da fala (comportamento verbal) – e, no segundo caso, pelo fato de serem observáveis pelos outros.
 
Diante dos pensamentos obsessivos, o sujeito se vê em uma situação em que precisa fazer algo para cessá-los. Portanto, ao se comportar compulsivamente, obtém alívio decorrente do contato com o estímulo (físico ou privado). As obsessões e as compulsões podem estar conectadas ou mesmo ocorrer independentemente uma da outra. Outra característica é a de que os indivíduos adultos, pelo menos inicialmente, reconhecem a ausência de sentido das suas obsessões e compulsões. Esse mesmo motivo os impedem, muitas vezes, de expor para as outras pessoas, pois temem que os outros menosprezem o sofrimento ou mesmo chacoteiem os comportamentos. Cabe destacar que esta é uma característica de adultos com TOC. As crianças, em geral, não reconhecem a irracionalidade de seus comportamentos.
 
Os cientistas tem conseguido elucidar vários fatores que contribuem para o surgimento do TOC. O que se sabe, até então, é que aspectos genéticos, neuroquímica cerebral, lesões ou infecções cerebrais (como febre reumática), além das questões psicológicas, como aprendizagem de regras distorcidas e ambiente coercitivo estão dentre as variáveis que aumentam a propensão do desenvolvimento do TOC [2]. Ou seja, há o componente neurológico, mas também as variáveis psicológicas e culturais, que, somadas, resultam em hiperatividade de certas zonas cerebrais nos indivíduos acometidos pelo transtorno. Tais alterações, no entanto, podem ser revertidas com terapia medicamentosa e psicoterápica.
 
Adentrando no âmbito da aprendizagem, ilustremos exemplos de variáveis ambientais presentes na infância que podem desencadear o TOC, considerando a obsessão mais comum [3], que é a preocupação excessiva com limpeza, seguida de lavagens repetidas.
 
Na primeira experiência com a paternidade/ maternidade, é comum que os pais se vejam excessivamente preocupados com a saúde do bebê, mais especificamente quanto à possibilidade de doenças. Um contexto favorecedor para isso é a própria fragilidade do organismo da criança, pois seu sistema de defesa ainda está sendo aperfeiçoado. Daí, então, a necessidade de uma rotina que envolva cuidados específicos para evitar contaminações e, consequentemente, doenças. Se a higienização adequada (ou mesmo caprichada) for algo muito valorizado na família, nada mais natural que os filhos também aprendam a valorizá-la bastante, também.
 
Uma criança pode adquirir o comportamento de lavar as mãos sistematicamente por alguns mecanismos de aprendizagem. Ela aprenderá por imitação caso alguma pessoa significativa (modelo) emita esse comportamento e, ao imitá-la, ela receba reconhecimento social (atenção, afago, elogio, etc).
 
Caso os pais se preocupem excessivamente com contaminações, exigindo de seus filhos a higienização caprichada e frequente das mãos, emitindo regras do tipo “se não lavar as mãos após pegar em algo, vai aparecer um monte de germes que vão te deixar doente”, reconhecendo e valorizando quando a criança seguir a regra conforme especificaram, ela aprenderá a higienizar as mãos de forma frequente e caprichada.
 
Se, por exemplo, o infante for criticado ou castigado por não lavar as mãos (“Você não pode comer se não lavar essas mãos imundas antes”), ao higienizá-las ele estará se comportando mediante esquema de fuga-esquiva, uma vez que buscará agir assim para evitar as consequências aversivas descritas pelo adulto.
 
Outra possibilidade é quando são emitidas verbalizações que distorcem a realidade a respeito de sujeira, mediante a experiência individual do falante. Por exemplo, “as mãos são a porta e a janela de entrada para infecções” ou “germes estão por toda a parte”, “basta a pessoa tocar em objetos sujos para ficar doente”. Dessa forma, cria-se uma regra que é distorcida pelo fato de maximizar os riscos. Assim, ao lavar as mãos, pode-se sentir o alívio por não ficar doente ou não se sentir contaminado.
 
Dessa forma, serão esses contextos que farão parte do desenvolvimento comportamental. A criança pode adquirir não apenas o comportamento de lavar as mãos, mas também pensamentos e/ou imagens a respeito disso, além de sentimentos associados ao comportamento em questão (alívio e prazer, por exemplo). Por estas sensações e também por verificar que assim agrada aos adultos, ela até pode dizer que gosta de lavar as mãos, ou que se sente bem com as mãos sempre limpas. Quanto mais estes comportamentos forem estimados por adultos significativos, mais eles serão mantidos no repertório comportamental da criança.
 
Cabe destacar que, para o paradigma da Análise do Comportamento, o fazer (no caso, “lavar as mãos”) ou pensar (como “sujeira causa doenças”) são comportamentos produzidos pelos mesmos contextos, ou seja, não existe hierarquia de relevância entre eles, tampouco uma linha causal em que um determina o outro.
 
Ao deparar-se com estas linhas, talvez o leitor se identifique ou se questione se tem ou não TOC. Talvez até já se autodiagnostique como portador do transtorno! No entanto, cabem aqui algumas considerações.
 
Os medos e as preocupações são inerentes ao nosso cotidiano e o modo como aprendemos a conviver com eles é através de certos hábitos cuidadosos. Ou seja, ao cozinhar, temos o cuidado de desligar o fogo; lavamos as mãos antes de comer ou de pegar em animais domésticos e verificamos o saldo da conta bancária periodicamente para planejar investimentos (ou para evitar constrangimentos diante de uma compra). No entanto, quando tais comportamentos são frequentes, excessivos ou supersticiosos, acontecerão prejuízos ao funcionamento social e desorganização da rotina pelo fato de eles consumirem tempo.
 
No caso, a pessoa não só verificará uma vez se o gás está desligado, mas várias (e várias!) vezes. Não apenas trancará a porta, mas a abrirá e fechará inúmeras vezes até se sentir menos ansiosa para sair. Poderá criar regras em que precisará repetir palavras mentalmente ou evitar digitar/ escrever uma palavra ou letra, pois caso contrário alguma tragédia acontecerá. Estes exemplos, claramente, se configuram como problemáticos. Associações do tipo “se não fizer isso, acontecerá o pior” certamente atormentam o sujeito. Algumas delas serão ilógicas, mas perfeitamente cabíveis ao sujeito, por proporcionarem alívio da ansiedade decorrente da esquiva das consequências aversivas. Assim, o que configura o TOC é não somente a presença de obsessões e compulsões, mas uma série de critérios diagnosticáveis apenas por especialistas, além dos prejuízos que devem ser percebidos pelo próprio sujeito ou por seus familiares.
 
Detectado o transtorno pelo psiquiatra ou psicólogo, o indivíduo pode ser tratado através de algumas modalidades terapêuticas. Os tratamentos mais efetivos no momento incluem o uso de medicamentos específicos, receitados pelo psiquiatra, além de psicoterapias. Nesse âmbito, é reconhecida a eficácia das terapias comportamentais (a saber, terapia analítico-comportamental e cognitivo-comportamental). Alguns de seus objetivos, apontados por Copque e Guilhardi (2009) são:
 
  • Confrontar as auto-regras distorcidas em torno das obsessões e compulsões, eliminando-as ou as substituindo;
  • Orientar e motivar a família a reorganizar as situações que até então vem mantendo os comportamentos indesejados;
  • Impedir o comportamento de fuga-esquiva supersticioso (por exemplo, fazer o paciente sujar as mãos, mas impedir que ele as lave). Esse método, como pode-se verificar, tem o propósito de fazê-lo perceber que não há a moléstia, mesmo não tendo se descontaminado. No início deste procedimento há um aumento da ansiedade, mas com a persistência do contato, tenderá a decair com a constatação de que a contaminação não ocorreu. Dessa forma, a pessoa pode se habituar com o estímulo aversivo e diminuir a frequência das compulsões;
  • Favorecer o contato com os estímulos que causam a contaminação para quebrar a regra que sustenta a obsessão.
Por envolver ciclos entre pensar e fazer, que se repetem até que haja alívio da ansiedade, caso haja cronicidade de tais padrões comportamentais é possível que haja dificuldades na reversão do quadro. O paciente, acostumado com a zona de conforto, dificilmente se sentirá motivado a mudar os “padrões disfuncionais”, pois o contato com os estímulos ansiogênicos é ameaçador. Dessa forma, quanto antes ocorrer a busca pelos tratamentos, melhor é o prognóstico. Daí a necessidade de se estar bem informado e atento ao comportamento infanto-juvenil para que maiores agravos posteriores sejam evitados.
 

[1] Koran, L.M. (1999). Obsessive-compulsive and related disorders in adults. A comprehensive clinical guide. Cambridge.
[2] Cordioli, A. V. (2004). Vencendo o transtorno obsessivo-compulsivo. Porto Alegre: Artmed.
[3] Outros exemplos são as dúvidas (se fechou a porta de casa, se tem dinheiro na carteira, se desligou o gás da cozinha, entre outros), seguidas de verificações compulsivas.
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Juliana de Brito Lima é Psicóloga (CRP 11ª/05027), formada pela Universidade Estadual do Piauí e especializanda em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento – IBAC. É membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC e Psicóloga do Centro Integrado de Educação Especial – CIES e da Clínica Lecy Portela, em Teresina-PI. Tem experiências acadêmicas (linha de pesquisa “Desenvolvimento da criança e do adolescente em situações adversas” do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná/ NAC-UFPR) e profissionais na área clínica (atendimento a criança, adolescente e adulto), jurídica e educação especial, na orientação de pais.
Fonte: Instituto de Psicologia Aplicada - InPA
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