Estudar pra que? – Como instalar hábitos de estudos

Texto de Priscila Ribeiro

Início de ano letivo parece ser um pesadelo para muitos pais e, principalmente, para os estudantes. Problemas que durante as férias escolares estavam adormecidos voltam a todo vapor: os conflitos recomeçam e a relação pais/filhos/escola se torna desgastante. Infelizmente não vivemos em uma sociedade pró-saber, pró-escola. As atividades escolares geralmente são vistas como chatas, desinteressantes e pouco conectadas com a vida cotidiana.
E o que nós, analistas do comportamento, temos a ver com isso?

Uma das grandes preocupações de Skinner era com a educação. Ele dizia que ensinar é arranjar contingências de reforçamento. Além do que ensinar seria o ato de facilitar a aprendizagem; quem é ensinado aprende mais rapidamente do que quem não é [1].
Então, como analistas do comportamento, podemos direcionar nossa prática também ao arranjo de contingências de reforçamento e contribuir para uma sociedade mais voltada ao saber, ao aprender.
No contexto clínico não é raro receber clientes com queixas de baixo desempenho acadêmico, problemas de aprendizagem, conflitos na escola etc. Um dos trabalhos que podem ser realizados diante de tais queixas – claro que aqui descrito de uma forma bem geral e sem considerar as especificidades de cada caso – é o desenvolvimento de repertório de hábitos de estudo.
Estudar não é um comportamento intrínseco, inato. É um comportamento que necessita de aprendizagem. Assim, quais procedimentos comportamentais poderiam ser usados para alcançar um comportamento tão desejado, como o de estudar? Como é possível instalá-lo e fortalecê-lo no repertório dos nossos estudantes?
Em primeiro lugar, deve ficar claro que estudar é diferente de fazer as lições de casa. As lições de casa são demandas da escola, importantes para a aquisição do conhecimento formal. Poderíamos definir o ato de estudar de uma forma mais ampla, que envolve repertórios diversos, tais como: buscar conhecer, aprender, explorar, perguntar, estabelecer relações. É algo que vai além do conhecimento formal. Entretanto, podemos utilizar do conhecimento formal e das demandas escolares para desenvolver hábitos de estudos mais funcionais, cujo objetivo final seria desenvolver o amor por aprender e estudar [2]!
Um dos procedimentos que podemos utilizar para desenvolver hábitos de estudo é o de modelagem. Modelagem é um procedimento utilizado para desenvolvimento de um novo comportamento por meio do reforçamento sucessivo de respostas cada vez mais próximas ao comportamento final desejado e da extinção das respostas anteriormente emitidas [3]. Assim, para que se estabeleça um procedimento de modelagem, é necessário:
  1. Especificar o comportamento final desejado – que nesse caso seria o de estudar [que poderia ser definido como repassar as matérias que foram vistas em sala de aula, produzir um registro escrito do que foi lido (resumo, gráfico, grifos em textos etc.). É algo além de fazer as tarefas escolares].
  2. Identificar uma resposta que possa ser usada como ponto de partida em direção ao comportamento final desejado. Pode-se iniciar com a disciplina escolar que o estudante prefere, a mais fácil ou a que exige menos esforço. Dividir em unidades mínimas (um conceito, uma informação mais importante) com baixa probabilidade de erro por parte do estudante [2, 3].
  3. Reforçar a resposta inicial; depois, realizar tentativas sucessivas e cada vez mais próximas à resposta final desejada, até que por fim a resposta desejada seja alcançada.
O procedimento de modelagem pode e deve ser combinado com procedimento de instruções verbais para que o estudante aprenda como selecionar as informações mais relevantes, como produzir um resumo escrito, criar gráficos e esquemas que contemplem o conteúdo. Em muitas ocasiões, procedimentos combinados aumentam a probabilidade de sucesso de todo o processo.
Não podemos esperar que o comportamento de estudar seja emitido espontaneamente. É preciso criar condições para que ele ocorra e, assim, possa ser consequenciado. Uma boa alternativa é preparar o ambiente para que as respostas esperadas sejam emitidas. Por exemplo, estabelecendo uma rotina por meio de horários reservados para o estudo, em um local adequado (sem barulhos, interrupções e outros distratores) e fornecendo materiais que aumentem a probabilidade de ocorrência do ato de estudar.
Além da preparação do ambiente, as consequências para o estudo precisam ser planejadas. É importante sempre lembrar que são as consequências do comportamento emitido que alteram a probabilidade da ocorrência daquele comportamento no futuro. Nem sempre as consequências naturais do comportamento de estudar – o aprender – controlam o comportamento do estudante. Dessa forma, consequências arbitrárias podem ser utilizadas. Por exemplo, a cada período de 15 minutos de estudo, o estudante pode fazer uma interrupção breve para se levantar, dar uma volta, checar o celular, ter acesso a algum item gratificante. As consequências arbitrárias deverão ser substituídas gradualmente pelas consequências naturais do ato de estudar.
Outro ponto importante no manejo das consequências durante o desenvolvimento de hábitos de estudo é o monitoramento. Não podemos esperar que um estudante que esteja desenvolvendo esse novo repertório tenha o autocontrole e disciplina necessários para se manter engajado e sob controle das respostas que deve emitir. Assim, os pais ou um acompanhante terapêutico (ambos devidamente treinados) devem ser os responsáveis pelo acompanhamento e monitoramento das novas atividades. A presença desse monitor vai ser gradualmente retirada – realiza-se um fading out da presença desse acompanhante – a medida em que o estudante apresentar progressos.
A participação de pessoas preparadas para implementar um programa de desenvolvimento de hábitos de estudo é de extrema importância. Além disso, a participação da família é essencial. A atenção pessoal, a presença, a interação e o acompanhamento de todo processo é o que faz a diferença entre resultados medíocres e excepcionais. É preciso reconhecer que não é apenas obrigação do estudante estudar. É preciso valorizar – por meio de incentivos, elogios sinceros, imediatos e descritivos – o esforço do estudante. O objetivo ao se instalar hábitos mais saudáveis de estudo não é apenas tirar boas notas, passar de ano. Mas também desenvolver amor por aprender e estudar.

[1] Skinner, B. F. (1972) Tecnologia do Ensino. São Paulo: Herder, Editora da USP.
[2] Guilhardi, H. J. (2012). Procedimentos para instalar comportamento de estudar.Disponível em www.itcrcampinas.com.br
[3] Para saber mais sobre modelagem e outros procedimentos para instalação e manutenção de novos comportamentos consultar: Martin, G. e Pear, J. (2009) Modificação do comportamento – o que é e como fazer (Tradução Noreen Campbell de Aguirre; revisão científica Hélio José Guilhardi). 8 ed. São Paulo: Roca
Fonte: Comporte-se