Imagem de Jean Winters Olkonen |
A punição corporal é uma prática
educativa que sempre foi muito utilizada por pais. Os resultados de pesquisas
(weber, Viezzer & Brandenburg, 2004) mostram como a palmada está
difundida no meio familiar e como ela pode se tornar abuso infantil. Esta pesquisa
indicou que 88% das crianças e adolescentes (de 9 a 14 anos de diferentes
níveis econômicos) já apanharam. O que surpreende também, é que 66% dessas
crianças e adolescentes concordaram com a idéia de que, quando fazem coisas
erradas, as crianças devem apanhar. Isso indica que muitos filhos estão
herdando o conceito de que o bater é necessário para a educação, é assim que
essa prática educativa vai passando de geração em geração. Outra pesquisa,
feita no SOS-Criança de Curitiba mostra que a punição física pode ultrapassar
limites e transformar-se em violência (weber e cols., 2002). Os resultados
desta pesquisa mostram que o agressor alegou que estava educando e corrigindo o
comportamento da criança ou adolescente (52%). Entre os 400 registros de
denúncia estudados nesta pesquisa, pouco mais da metade foi de pais que agridem
seus filhos pensando estar educando.
Esta “maneira de educar” é passada às
gerações atuais desde os primórdios da humanidade, utilizada ao longo de toda a
história da humanidade como sendo uma boa forma de se educar crianças e de
mantê-las longe do mal. O castigo físico, como também o infanticídio, foram
tolerados durante muitos séculos e os métodos pedagógicos, em que se utilizavam
varas e palmatórias, eram justificados com pensamentos que indicavam que o mal
precisava ser expulso da criança, como mostrava Santo Agostinho: "Como
retificamos a árvore nova com uma estaca que opõe sua força à força contrária
da planta, a correção e a bondade humanas são apenas o resultado de uma oposição
de forças, isto é, de uma violência". Somente no século XVIII, é que a
criança começou a ser valorizada como um ser humano que necessita de cuidados e
atenção especiais. Este período marca uma maior aproximação entre os filhos e
seus pais verdadeiros, ou seja, nos séculos anteriores a criança ficava sob
cuidados de pessoas alheias à família, mas gradativamente ela passou a ter um
contato mais intenso e também afetivo com seus pais (Bandinter, 1985; Roig
& Ochotorena, 1993; Ariès, 1978).
A valorização da criança levou muitos
estudiosos a pesquisarem e conhecerem melhor todo o processo de desenvolvimento
infantil e também as melhores formas para se conseguir uma boa socialização dos
filhos. A ciência da análise do comportamento possui um conjunto de princípios
e dados que pode objetivar essa questão. Um aspecto problemático da punição
física refere-se ao princípio de qualquer punição: não mostra o que deve ser
feito, apenas o que não deve. A punição enfoca o erro e não ensina o certo
(Bettner & Lew, 2000), então se aprende que é errado tomar tal atitude,
mas não se aprende o porquê e nem o que deve ser feito no lugar do erro.
“Quando muito, punição somente o ensina o que não fazer” (Sidman, 1995, p. 60).
Além de não ensinar o correto, a punição está inserida num contexto coercitivo.
Coerção é uso de punição ou ameaça de punição com o objetivo de que o outro
faça o que gostaríamos que fizesse. Um pai que coage seu filho ameaçando-o de
punição ou punindo-o por não ter feito o dever de casa, por exemplo, está se
utilizando um poder sobre a criança. Assim, a coerção pressupõe uma
hierarquização de poder, envolvendo sempre alguém que manda e alguém que
obedece.
É preciso entender o que os leva
a baterem em seus filhos. Seria a pura intenção de disciplinar as crianças? As
palmadas são geralmente dadas para aliviar aqueles que batem; os pais descontam
nos filhos suas irritações presentes ou mesmo passadas (pais que apanharam na
infância) e tornam a agressividade um círculo vicioso (Cornet, 1997). Assim,
muitos pais cometem o erro de descarregar sua raiva, criando muitas vezes
situações de grande incoerência. Neste caso, a punição física deixa de ter um
caráter educativo, para transformar-se realmente em falta de controle dos pais
e agressão. Na verdade, o problema encontra-se no limiar entre método
disciplinar e agressão infantil. Frias-Armenta (1999) afirma que os pais não
têm consciência do limite entre punição física disciplinar e abuso infantil. Em
razão disso pode-se concluir que a passagem da punição para o abuso é muito
frágil. A punição física aparece, então, como um fator de risco para o abuso e
por isso deve ser evitada (Whipple & Richey, 1997; Straus, 2001; Weber,
2005).
Pode-se dizer que, em muitos casos, a
falta de controle dos pais surge pelo fato de eles não saberem como agir em
determinadas circunstâncias. Nesse sentido, os pais atuais precisam ter acesso
ao conhecimento de outras práticas educativas que sejam eficazes para criar e
manter um repertório de comportamentos adequados, desenvolver habilidades
sociais e manter uma dinâmica familiar com muito afeto positivo e
comprometimento (Weber, 2005; Weber, Salvador & Brandenburg, 2005). A
maneira mais adequada de educação dos filhos vem sendo muito pesquisada. O
estudo dos estilos parentais trata esse assunto de forma objetiva, investigando
o conjunto de comportamento dos pais que cria um clima emocional em que se
expressam as interações pais-filhos e tendo como base a influência dos pais em
aspectos comportamentais, emocionais, intelectuais dos filhos.
A iniciadora desta linha de pesquisa
sobre educação pais-filhos foi Baumrind (1966), que propôs o estilo
autoritativo como melhor forma de controle dos filhos. Este estilo autoritativo
fica melhor compreendido quando os estilos parentais passam a ser estudados por
meio de duas dimensões: exigência e responsividade (Baumrind,1971; Maccoby
& Martin,1983), as quais combinam-se para classificar quatro tipo de
estilos: autoritativo (exigente e responsivo); negligente (pouco exigentes e
pouco responsivo); autoritário (exigente e pouco responsivo); permissivo
(responsivo e pouco exigente).
Diversas pesquisas se desenvolveram
nesta área e o estilo autoritativo sempre se mostrou como aquele que produz
melhores efeitos na formação dos filhos como: melhor desempenho escolar
(Dornbush e cols., 1987), maior facilidade na escolha profissional (Kerka,
2000); menor índice de depressão e delinqüência (Jones, 2000). Nessa direção de
explorar es efeitos dos estilos parentais nos filhos, estamos realizando diversas
pesquisas: os resultados encontrados mostram que os filhos de pais
autoritativos são os mais otimistas, têm menos sintomas de depressão e
ansiedade, tem melhores habilidades sociais, melhor auto-estima, entre outros
(artigos das pesquisas podem ser encontrados no site www.nac.ufpr.br). Os pais
autoritativos combinam comportamentos de exigência, em cumprimento de regras e
estabelecimento de limites, com comportamentos de responsividade, dando retorno
às demandas dos filhos e possibilitando-lhes maior autonomia e auto-afirmação.
De um lado há uma posição de controle e poder e de outro uma posição de
compreensão e bidirecionalidade. São dois aspectos que contribuem, cada um à
sua maneira, para que as crianças reajam de maneira otimista tanto diante de
acontecimentos ruins como bons. Os filhos de pais exigentes e responsivos são
mais ativos, não desistem diante de derrotas e buscam tentar acertar numa nova
tentativa, ou seja, pais autoritativos preparam melhor seus filhos para o
enfrentamento de problemas, criando uma “vacina emociona”l, a resiliência.
Gershoff (2002) realizou uma
meta-análise dos últimos 62 anos de pesquisas sobre punição corporal normativa
e encontrou prevalência de efeitos negativos nos filhos com uso mesmo de
punições leves, como palmadas. Brandenburg e Weber (2005) realizaram uma revisão
de literatura dos últimos 13 anos sobre punição corporal e encontraram alta
incidência em diferentes países, variação da opinião sobre o uso da punição de
acordo com diversos fatores, como a experiência pessoal na infância, fatores
situacionais mediadores, ou seja, emoções dos pais e ambiente familiar, fatores
sócio-demográficos, fatores culturais e religiosos, efeitos negativos para os
filhos mesmo com punições normativas (palmadas), transmissão intergeracional do
uso de palmadas, risco de maltrato e, por último, pesquisas revelam que cursos
para pais diminuem o uso de punições corporais (Weber e cols., 2005).
Então, se o estilo autoritativo é o
melhor caminho, como um pai autoritativo deve agir em relação aos
comportamentos inadequados dos filhos? Em primeiro lugar: se o estabelecimento
de regras for consistente e lógico e houver supervisão constante (dimensão da
exigência); se houver respostas dos pais aos comportamentos dos filhos
(incluindo o uso de reforçadores) e incentivo à autonomia da criança e
fortalecimento de sua auto-estima (dimensão da responsividade); não sobrará
muito espaço para a ocorrência de comportamentos inadequados. No entanto, as
crianças cometam erros e eventualmente os pais precisam utilizar alguma
estratégia para reduzir ou eliminar comportamentos inadequados e/ou
transgressões aos limites.
A estratégia mais utilizada pelos
pais é a punição física. Mesmo os pais autoritativos fazem uso dela, mas parece
não ser coerente um pai ser exigente e responsivo e utilizar essa prática
educativa. Bater no filho é uma prática parental que pode estar inserida tanto
na dimensão da exigência quanto na de responsividade. Com relação à exigência:
quando um pai bate num filho por um comportamento errado, está estabelecendo
limites e/ou mantendo o cumprimento de regras. No entanto, isso está ocorrendo
pelo lado negativo, o pai está mostrando o que o filho não deve fazer. Se as
regras são coerentes e bem esclarecidas, os pais podem ensiná-las recompensando
as boas atitudes dos filhos (por meio do carinho, do elogio, ou às vezes de
pequenas recompensas materiais). Caso haja transgressão dos limites os pais
devem fornecer uma resposta. Aqui entra a dimensão da responsividade: quando um
pai bate num filho por um erro deste, está mostrando que toda ação possui uma
conseqüência. Mas as crianças não necessitam de agressão física, se os pais
devem responder às necessidades dos filhos, isso pode ser feito sem a palmada
ou a surra. Outras estratégias apresentam-se como alternativa menos dolorosa e
indigna do que a punição física, tais como time out, uso de conseqüências
lógicas, adiamento de reforçamento.
Se adotar um estilo parental
autoritativo é o mais adequado para uma educação saudável dos filhos,
percebe-se a importância de combinar a exigência com a responsividade. Não é
suficiente ser apenas exigente ou apenas responsivo. Os pais precisam ser
firmes e manter certa autoridade e ao mesmo tempo perceber o que os filhos
precisam, entendendo que eles também possuem exigências. Ao mesmo tempo em que os
pais precisam ser respeitados em seus papéis, eles também devem respeitar os
direitos dos filhos. Assim, se os pais fazem exigências, mas são responsivos,
não punem a criança fisicamente em nome desse respeito.
Uma história contada pela escritora
americana Astrid Lindgren ilustra de maneira afetiva a irracionalidade do
castigo físico e de como ele é visto pelos olhos de uma criança. Certa vez, uma
senhora contou que quando era jovem não acreditava no castigo físico como uma
forma adequada de educar uma criança, apesar do pensamento comum da época
incentivar o uso de um fino galho de árvore para corrigir a criança. Um dia, o
seu filho de 5 anos fez alguma coisa que ela considerou muito errada e, pela
primeira vez, sentiu que deveria dar-lhe um castigo físico. Ela disse para ele
que fosse até o quintal de sua casa e encontrasse uma varinha de árvore e
trouxesse para que ela pudesse aplicar-lhe a punição. O menino ficou um longo
tempo fora de casa e quando voltou estava chorando e disse para a mãe:
“Mãezinha, eu não consegui achar uma varinha, mas achei uma pedra que você pode
jogar em mim”. Imediatamente a mãe entendeu como a situação é sentida do ponto
de vista de uma criança: se minha mãe quer bater em mim, não faz diferença como
e com o quê; ela pode até fazê-lo com uma pedra. A mãe pegou seu filho no colo
e ambos choraram abraçados. Ela colocou aquela pedra em sua cozinha para
lembrar sempre: nunca use violência. Por que, afinal, os pais batem em seus
filhos?
Referências
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Lidia Natalia Dobrianskyj Weber
(Universidade Federal do Paraná)
Fonte: ABRAPEE PSI
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