Depressão infantil: brincadeiras em branco e preto


Diversão, amigos, sorrisos, boas notas, movimentos e cores. A infância pode ser retratada dessa forma para a maior parte das crianças. No entanto, para algumas delas essa fase da vida mais parece um filme monocromático. Ao contrário do que possa acreditar, nem sempre preocupações e tristezas infantis são passageiras. Sim, as crianças podem sentir depressão.

Com alta prevalência na população mundial, a depressão é hoje considerada um problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde. Segundo pesquisas nacionais [1], o índice de depressão chega a 2% em crianças e 5% em adolescentes. A versão mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV) define este transtorno como um problema psicológico complexo, caracterizado principalmente por estado de humor irritável e/ou deprimido (disforia) e diminuição do interesse ou prazer nas atividades diárias (anedonia).

Outras características são perda ou ganho significativo de peso, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor; cansaço ou perda da energia habitual; sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva; diminuição da capacidade de pensar, concentrar-se ou tomar decisões e, finalmente, pensamentos de morte recorrente e/ou tentativas de suicídio. Para se considerar o diagnóstico de depressão maior, pelo menos um dos sintomas principais e quatro dos secundários devem estar presentes durante o tempo mínimo de duas semanas.

Mesmo diante da similaridade dos sintomas em crianças, adolescentes e adultos, pesquisadores buscaram adequar as diretrizes diagnósticas para a realidade infantil [2], acrescentando comportamento agressivo, mudanças no rendimento escolar, redução da socialização, recusa de ir à escola ou de participar de atividades acadêmicas, além de queixas somáticas, sem constatação clínica.

Nos períodos iniciais da vida, os sintomas depressivos variam conforme a faixa etária. Em crianças até a idade de seis anos, os indícios se exteriorizam principalmente na forma de queixas somáticas repetitivas. Usualmente, dores no abdômen e na cabeça, queixas de fadiga e tontura são as mais relatadas. Também são comuns manifestações de ansiedade associadas à depressão (como fobias e ansiedade de separação), hiperatividade, irritabilidade, diminuição do apetite e alterações do sono. A observação de persistência dos sintomas nos momentos escolares e nas brincadeiras é algo que pode ajudar no diagnóstico, visto que são atividades comumente prazerosas nessa faixa etária.

Em crianças escolares, entre sete e doze anos, já se observa a verbalização de humor deprimido, acompanhada de irritabilidade, cansaço, semblante triste e apático, além de apresentarem inabilidades no brincar. Choro frequente, tendência ao isolamento, recusa escolar, além de ansiedade e queixas somáticas também são frequentes. Há também as repercussões dos sintomas na escola: o desempenho escolar declina, a criança tem dificuldades em fazer amizades e comumente relata aos pais que os colegas não gostam dela, ficando isolada nas atividades grupais.

Esclarecidos os sintomas, fica então a dúvida dos pais e educadores: quais as causas da depressão infantil?

Para a Análise do Comportamento, abordagem psicológica calcada no Behaviorismo Radical, o comportamento é aprendido e mantido pelas situações atuais e históricas do indivíduo. Dessa forma, um comportamento específico recebe influência direta de variáveis que estão e que estiveram presentes em sua vida, e ainda da cultura, da sociedade e da família em que se encontra. Esta abordagem também considera os fatores genéticos no aumento da suscetibilidade de um indivíduo a certos problemas comportamentais, embora enfatize que o ambiente do sujeito tem um papel básico no desenvolvimento e na manutenção de comportamentos que levam a tais problemas.

A Análise do Comportamento compreende a depressão como sendo resultante de exposição a uma série de situações aversivas, incontroláveis e sem possibilidade de fuga. Além disso, destaca outros fatores que contribuem para a baixa taxa de comportamentos, fato característico da depressão: a diminuição da capacidade do sujeito em desfrutar vivências positivas (ou um aumento na sua sensibilidade diante de acontecimentos negativos); déficits nas habilidades de resolução de problemas (que impedem o acesso a outras atividades reforçadoras ou prazerosas, ou diminuem a capacidade de o sujeito enfrentar com êxito experiências aversivas) e falta ou perda de fontes potenciais de prazer no ambiente.

Quanto à etiologia da doença, a perspectiva em vigor estabelece a interação entre o sujeito (e sua carga genética) e a história de vida. Há o risco de que a hereditariedade e exposição a ambientes de risco favoreça o aparecimento da depressão, não apenas pela questão genética, mas pelos comportamentos aprendidos pelo modelo parental. É fato que também se observa alterações neuroendócrinas em pessoas depressivas, como deficiência na norepinefrina e serotonina. No entanto, ainda não há consenso se as disfunções metabólicas causam a depressão, ou se elas, por sua vez, são o resultado do transtorno [3].

Análise dos históricos vitais de crianças com depressão tem mostrado algumas situações que favorecem o surgimento dos seus sintomas. Algumas delas são: histórico de perdas, como a morte de um ente querido; exposição a ambientes físicos e sociais muito aversivos; pais com transtornos psicológicos (como esquizofrenia, drogadição, alcoolismo); submissão a educação parental autoritária, com excesso de práticas punitivas (predominância de comunicação negativa, abuso físico e/ou emocional) ou mesmo negligência; fracasso escolar inesperado; mudanças súbitas de rotina e desastres naturais. Tais circunstâncias tornam mais prováveis os comportamentos classificados como depressivos (baixa frequência do sorrir, higienizar-se, socializar-se e alta frequência de comportamentos como zangar-se, chorar, queixar-se).

Por sua vez, tais comportamentos causam consequências muito negativas, a curto e longo prazo. As crianças apresentam déficits sociocognitivos que se agravam com o tempo, como queda no desempenho acadêmico, impopularidade entre os amigos e diminuição da participação nas atividades escolares. A depressão infantil também aumenta o risco de depressões graves na adolescência ou mesmo na fase adulta, incluindo a probabilidade de abuso de drogas, de ideação suicida ou mesmo consumação do fato, que por sua vez são raros na infância.

Ademais, existem variáveis individuais que alteram a probabilidade do surgimento de sintomas depressivos. Uma pessoa habilidosa na resolução de problemas diários, que encara adversidades e que se adapta com facilidade diante de mudanças e perdas, apresenta fatores de proteção quanto à depressão. Do contrário, aquele que não desenvolveu repertório habilidoso no enfrentamento de situações aversivas acaba apresentando mais dificuldades de adaptação diante de adversidades. Daí a importância de os pais educarem seus filhos enfatizando a autonomia, pois ao valorizarem a dependência desenvolvem neles repertórios inadequados na resolução de problemas, favorecendo baixa tolerância emocional ao erro e exposição deles a situações aversivas contínuas diante de insucessos.

Mais uma vez constata-se que as relações pais-filhos ocupam um lugar central na aprendizagem de comportamentos por parte das crianças. Intencionalmente ou não, os genitores manipulam condições de aprendizagem que determinarão boa parte dos comportamentos dos filhos, sejam eles simples ou complexos, nos mais variados âmbitos (afetivo e social, por exemplo). Vejamos, então, medidas preventivas no que tange à depressão infantil.

1.O reconhecimento dos esforços dos seus filhos, sejam eles quais forem, são medidas simples que trazem prazer e que repercutem positivamente na autoestima das crianças. A baixa taxa de respostas característica da depressão é resultante do falta de consequências reforçadoras diante dos comportamentos adequados da criança. Portanto, elogie, reconheça, ofereça afeto incondicional e comunique-se de forma positiva com seus filhos;

2.Exercite o autocontrole (sobretudo se você cresceu diante de modelo parental abusador de práticas de punição corporal e emocional), se for preciso, busque terapia para si mesmo para medidas mais efetivas. Caso padeça de alguma doença física, cuide-se para melhor responder às necessidades da criança: lembre-se que ela está sensível aos seus comportamentos e que ela pode se preocupar com seu estado de saúde, provocando ansiedade diante de possibilidades de perda (ou mesmo reproduzindo seus comportamentos);

3.Esteja atento a como a criança interage socialmente, participe e se envolva com sua rotina escolar. Diante de uma queda no desempenho acadêmico e nas atividades de classe, contate o professor para maiores informações e melhores intervenções. Cuidado com as exigências escolares neste momento: ao invés disso, busque ouvir criança, certamente ela tem algo a dizer;

4.Não subestime as verbalizações de tristeza e de preocupações das crianças. Isso não acontece apenas com adultos! Apesar de serem bem peculiares e algumas vezes fantasiosas, não devem ser vistas como bobagens. A criança ainda está refinando seu repertório comportamental e, diante de situações adversas, são necessárias habilidades que ainda não foram adquiridas;

5.Cuidado com o excesso de atividades na rotina infantil. Quando muito atribulada, a criança pode desenvolver um quadro de estresse que pode se agravar e apresentar sintomas psicossomáticos. Dentre elas está a depressão e transtornos de ansiedade;


6.Procure ajuda profissional se constatar qualquer mudança significativa no comportamento infantil. Quanto antes for diagnosticado, mais favorável é o curso da doença.
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[1] Dados de 2012, através da pesquisa de Ivete Gattás, coordenadora da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

[2] Os Critérios Weinberg (1973) são os mais comuns. Por se tratar de crianças e adolescentes, que passam uma parte significativa dos seus dias na escola, o pesquisador considerou pertinente a contextualização dos sintomas também no ambiente escolar. Este fato permite inclusive que a escola aprenda a identificar os primeiros indícios de depressão em seus alunos.

[3] Staats, A.W. (1996). Behavior and Personality: Psychological Behaviorism. New York: Springer Publishing Company, Inc.



Juliana de Brito Lima é Psicóloga (CRP 11ª/05027), formada pela Universidade Estadual do Piauí e especializanda em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento – IBAC. É membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC e Psicóloga do Centro Integrado de Educação Especial – CIES e da Clínica Lecy Portela, em Teresina-PI. Tem experiências acadêmicas (linha de pesquisa “Desenvolvimento da criança e do adolescente em situações adversas” do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná/ NAC-UFPR) e profissionais na área clínica (atendimento a criança, adolescente e adulto), jurídica e educação especial, na orientação de pais.
Fonte: Instituto de Psicologia Aplicada - InPA

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