“É preciso ser menos egoísta"


Entrevista que o psicólogo Hélio Gulhardi concedeu para o jornal A Gazeta, Vitória - ES

Texto: Paula Stange

“Educação vem de berço”. O bordão é antigo, mas está esquecido pela atual geração de pais de crianças e adolescentes, que estão empurrando essa tarefa para os professores. “Antes, a criança chegava pronta à escola”, destacou o psicólogo paulista Hélio Guilhardi, que esteve em Vitória na semana passada, a convite da Rede Salesiana, para falar aos professores sobre como melhorar a relação com a família. Na conversa com A GAZETA, o psicólogo dá conselhos importantes aos pais - e também um leve puxão de orelha.

Por que as famílias estão abrindo mão do papel de educar seus filhos?

As famílias são vítimas de uma pressão e da nova dinâmica da sociedade. Querem ter filhos, mas não podem deixar de trabalhar. Aí, se enchem de culpa por não terem tempo para ficar com as crianças e passam a apelar para soluções paliativas. Acabam vitimando as escolas, que têm que assumir a responsabilidade de educar seus filhos.

O bordão “educação vem de berço” está meio esquecido?

Está. Antes, as crianças eram mais educadas, mais obedientes e mais disciplinadas - talvez até de forma exagerada, reprimida. A criança chegava pronta à escola, que só ficava com o trabalho técnico da educação, da instrução. Quando os pais passaram a se sentir inseguros e culpados por não estar tão próximos dos filhos, a escola tentou ocupar esse espaço. Mas ela não tem condições de fazer bem as duas coisas.

E qual o papel da escola?

A escola deve instruir, passar o conhecimento técnico, criar condições para a criança aprender a atuar na comunidade, socializá-la no sentido mais amplo, em níveis que a família não é capaz de levar. Deve estimular novos interesses e repertórios para além do círculo familiar. Acho que a família também pode cuidar desses aspectos, de acordo com sua competência e seu conhecimento, mas confiando que escola vai ser o complemento.

Uma das principais queixas dos professores é a indisciplina dos alunos. Falta limite em casa?

Os pais devem detectar desde cedo os primeiros sinais do mau comportamento e corrigir. A escola tem suas regras. O professor tem sua autoridade, mas não pode dar uns tapas no aluno e colocá-lo de castigo. Antigamente, dizia-se “O professor tem sempre razão”. Claro que não é bem assim. Mas a família deve reforçar a disciplina que é dada na escola. Se o menino levou uma suspensão, deve ter castigo equivalente em casa. Caso contrário, vai adorar ficar de folga em casa. Mas o que se vê é pai dizendo “Quem esse professor pensa que é para fazer isso?” ou “eu pago a mensalidade”.

Outra reclamação dos professores é a ausência dos pais nas reuniões.

Eles devem tirar um tempo para ir às reuniões, que não são “uma bobagem que a escola inventou”.Vemos que a maioria dos pais que participam das reuniões são pais de alunos sem problemas. As famílias que estão com problemas não querem dividir isso com a escola e ficam posando de “estamos todos bem”. Quando a escola as chama para falar do aluno, dizem “mas ele é malcriado aqui?”, omitindo ou mentindo sobre o comportamento do filho, que geralmente é ruim em casa.

Como driblar a falta de tempo e cuidar da educação dos filhos?

Acho que estamos numa transição. Antigamente, as mães ficavam 100% do tempo com os filhos em casa. Hoje, praticamente não têm nenhuma disponibilidade para eles. Mas as famílias vão ter que se organizar de forma diferente, e a sociedade vai ter que rever essa questão também, permitindo, por exemplo, que elas passem mais tempo com os filhos, trabalhem meio período.

Enquanto isso, o que a família pode fazer?

É possível dar pequenos passos. Por exemplo: o pai sai do trabalho às 18 horas e quer ir para a cademia. Em vez disso, pode ir direto para casa e levar o filho para andar no calçadão. Se quer ir ao cinema, deve dar preferência ao filme que a criança quer ver. Tem que abrir mão, ser menos egoísta. Deve se interessar pelo que o filho está estudando, acompanhá-lo no dever de casa. Há mulheres que trabalham fora, fazem inglês e ainda MBA. Só vêem os filhos no final de semana. Isso está errado.
 

Nenhum comentário: