Muito além da palmada: alternativas para práticas coercitivas


Educar um filho deve ser, provavelmente, a maior responsabilidade dos adultos. Crianças não vêm com um manual de instrução: os pais educam treinando, fazendo uso dos modelos que tiveram acesso enquanto filhos e nem sempre com as práticas menos danosas ao desenvolvimento infantil. Diante de uma reflexão quanto à punição corporal exposta anteriormente no Blog [1], este texto pretende demonstrar outras formas de educar, baseadas em pressupostos científicos. Sua eficácia é verificada nas famílias que as aplicam e na prática de orientação parental do psicólogo em consultórios e instituições.

Antes de tudo, é importante destacar que a maior alternativa para a punição corporal é um conjunto de atitudes preventivas dos pais, como clima familiar amistoso, com muito diálogo (comunicação positiva), envolvimento e participação na rotina infanto-juvenil, estabelecimento de regras claras e consistentes (adequadas à faixa etária), tolerância emocional, demonstrações de afetos, reconhecimento dos comportamentos adequados realizados (imediato à ocorrência), uso de consequências lógicas ao invés de punição corporal, dentre outras. Práticas punitivas em geral, se forem inevitáveis, devem ser utilizadas como último recurso, esporadicamente, pelas mesmas razões apontadas anteriormente.

Considerando que geralmente a surra acompanha verbalizações rudes e depreciativas, que servem para dar ênfase à chateação dos pais, percebe-se tais palavras ferem mais do que um castigo físico, pois atinge a autoestima. Exemplos como “Você é um menino mau”, “O que há de errado com você?” e “Você é mesmo um estúpido, você me decepciona” são inapropriados porque não destacam o comportamento inadequado de quem o executa: não é o comportamento que é inoportuno, mas o próprio filho. E o mais importante de tudo: o pai extravasa suas emoções e a criança continua sem entender o que fez de errado e como poderia fazer diferente. Contrapondo a punição corporal e a agressão verbal, tem-se a comunicação positiva, termo que descreve o diálogo claro, apropriado à faixa etária dos filhos, que revela os desejos e as emoções de forma adequada, sem causar danos ao ouvinte.

A comunicação positiva pode ser implementada nesses momentos quando o pai destaca o que a criança deve fazer, explicar o por quê, suas consequências e apresentar uma alternativa. Por exemplo, ao invés de “Para de pular, menino-macaco”, pode-se dizer “Se você pular enquanto bebe o suco, vai se sujar, quebrar o copo no seu pé e vai doer. Você pode beber primeiro e depois ir brincar”. Ao invés de “você é mesmo um estúpido, você me decepciona”, pode usar “Não gostei do que fez”. Como pode ser verificado, diante de um comportamento inadequado deve-se ter autocontrole não somente para o comportamento motor, mas ao verbal também. Cabe então a famosa contagem até 10 (ou o número mais adequado à irritação!), a respiração lenta e profunda e a retirada do local para que nenhuma dessas frases salte da boca e façam um estrago na autoestima infantil.

Uma boa qualidade de diálogo é uma prerrogativa para que também haja seguimento de regras. Através dele, as regras familiares são repassadas, relembradas quando necessário (antes e mesmo depois de o comportamento adequado se estabelecer) e supervisionadas quanto ao seu cumprimento. Caso não haja o estabelecimento de regras, como será possível uma criança perceber que burlou uma norma? Daí a importância de que elas sejam bem claras, coerentes à idade, consistentes e realistas. Diante de crianças menores, a clareza deve ser fundamental, em frases sucintas. Já em crianças maiores, pode-se explicar o que foi feito de inadequado, colocando as consequências para evitar uma próxima ocorrência (ou mesmo nessa, caso a regra já tenha sido exposta anteriormente à criança).

Caso você tenha estabelecido uma consequência a algo que é inadequado, não se deve mudá-la por conta do seu humor. Regra é regra, e caso haja descumprimento, deve ser devidamente consequenciado. No entanto, o mais importante de tudo é que, caso haja cumprimento da mesma, é necessário o reconhecimento social do que foi feito adequadamente.

Esta, aliás, é uma grande dificuldade humana: a tendência em deixar passar o que está bom ou o que é adequado e dar mais atenção ao que poderia ser melhor, ou o inadequado. No caso dos pais, quando a criança se comporta bem, muitas vezes não há elogios ou reconhecimento social. No entanto, diante de uma travessura ou de algo inadequado, os pais usualmente conferem mais atenção que, mesmo negativa (como uma palmada), possui um efeito significativo na criança, sobretudo se usualmente ela não tem atenção daquele porte.

Não é raro encontrarmos famílias que fazem reuniões sociais cujas pautas incluem as últimas travessuras de seus filhos: as frases que surpreendem pela elaboração intelectual (ou pela malandragem), as “artes” na escola e em casa, entre outras. Comportamento inadequado não é digno de tanta repercussão social, mas algo sério que precisa ser remediado e não exposto. Quando uma criança constata que suas “artes” são reconhecidas pelos adultos significativos, isso possui um efeito reforçador, prazeroso para elas. É como se, sendo aluno bem comportado, com boas notas ou um bom atleta ficasse em desvantagem, pois diante das travessuras a sua popularidade é maior, aumentando a probabilidade de o comportamento inadequado ser fortalecido.

Como abordar, então, as ações infantis inapropriadas?

Uma estratégia que costuma ser efetiva, embora pais tenham dificuldades em manterem-se firmes na sua aplicação é ignorar o comportamento. O procedimento é indicado nas condutas infantis em que os pais podem ser indiferentes, como birras, caprichos ou pedidos inoportunos. A contraindicação é para aqueles comportamentos agressivos ou destrutivos, como auto ou heteroagressão. A técnica consiste em ignorar o comportamento, não cedendo ao que a criança quer. Por exemplo, uma criança insiste em querer a sobremesa antes da refeição, diante de uma negativa dos pais e o infante ainda birrar, o capricho deve ser prontamente ignorado por eles.

Cabe aqui uma observação: inicialmente o comportamento ignorado pode aumentar de intensidade ou de frequência, mas logo depois tende a desaparecer. Assim, mesmo que dê a impressão que na verdade a criança está piorando (birrando mais, ficando agressiva ou buscando outras formas de chamar a atenção ou de ter o que quer), basta que os pais continuem firmes, não cedendo à pressão da criança. Se por acaso os pais concederem ao desejo do infante, estarão ensinando que mais cedo ou mais tarde ele terá o que quer, de forma mais intensa. Costumo dizer aos pais que ninguém gosta da sinfonia dos gritos e choros infantis, tampouco se sente confortável em ver a criança sofrendo por não ter o que quer. No entanto, a frustração é necessária se quisermos que limites sejam dados a elas, cabendo para tanto o preparo emocional dos pais ao sofrimento infantil.

O uso de consequências lógicas para as regras também se mostra efetivo. Deve-se descrever o comportamento e as consequências caso haja infrações. Por exemplo: se a criança ao brincar for espalhar os brinquedos, ao terminar deve guardá-los, senão ficará sem brincar com eles no dia seguinte; se não desligar o computador no horário combinado, ficará sem ele por 3 dias. Esta técnica possibilita o desenvolvimento da responsabilidade da criança sobre seus comportamentos, e tem efeito se os pais forem consistentes com o combinado, ou seja, se não se esquecerem de aplicar as consequências. Além disso, o uso da técnica também é efetiva (e mais desejável) colocando o comportamento adequado e as boas consequências: “se o quarto ficar arrumado todo dia, nós iremos ao clube no sábado”. Assim, não se cria um clima negativo em torno das regras, sendo mais atrativo o cumprimento delas.

Retirar a criança da situação por alguns minutos para que ela reflita sobre o que acabara de fazer (técnica chamada de time-out) é também uma opção. O critério de tempo baseia-se na idade da criança: um minuto para cada ano de vida (cabe destacar, no entanto, que a técnica é contraindicada em crianças menores de dois anos). Para que haja efeito, é necessário uma preparação ambiental: um lugar sem distratores ou atrativos, em que a criança possa ficar longe dos demais da casa, sentada, por exemplo. Deve ser feito imediatamente após o comportamento inadequado, colocando-se a criança no ambiente escolhido e explicando por qual razão está indo para aquele local, de modo que os pais não podem voltar atrás (o que não quer dizer que não possam ficar supervisionando de longe). Após o tempo estipulado, o cuidador a retira do local e verifica o que a criança aprendeu, reafirmando que pode ocorrer de novo caso se comportem inadequadamente.

Outro método punitivo alternativo é o já conhecido castigo, que consiste em retirar algo que a criança gosta muito diante de um comportamento inadequado. Por exemplo, “você bateu no irmãozinho, e isso não é permitido aqui. Então, você ficará sem vídeo-game por 3 dias”. Cabem aqui alguns cuidados: o castigo deve ser coerente com a idade da criança e com a infração cometida, sendo justa com o comportamento, mas não com a raiva do aplicador (caso assim fosse, certamente haverá excessos); deve ser imediata ao comportamento em questão e também moderada, para não causar raiva na criança, o que prejudicaria a técnica.

Com este texto, esperamos que tenha ficado claro que há outras possibilidades além da punição corporal. As outras formas de punição aqui descritas podem ser utilizadas esporadicamente. No entanto, a prevenção com o reconhecimento e reforçamento dos comportamentos adequados continua sendo a melhor estratégia.

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Juliana de Brito Lima é Psicóloga (CRP 11ª/05027), formada pela Universidade Estadual do Piauí e especializanda em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento – IBAC. É membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC e Psicóloga do Centro Integrado de Educação Especial – CIES e da Clínica Lecy Portela, em Teresina-PI. Tem experiências acadêmicas (linha de pesquisa “Desenvolvimento da criança e do adolescente em situações adversas” do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná/ NAC-UFPR) e profissionais na área clínica (atendimento a criança, adolescente e adulto), jurídica e educação especial, na orientação de pais.
Telefone - (61) 3242-1153

2 comentários:

Unknown disse...

Parabèns texto muito bem escrito e facil entendimento para pais.

Simone Barbosa Pasquini disse...

Olá Célia, q bom que gostou!!! Esse texto é da Psicóloga Juliana Brito.
bjkss