Amor Materno

A mãe de Pedro, um dos meus personagens fictícios, encontrava-se em uma situação muito constrangedora e sentiu muita vergonha quando Maria, a noiva de Pedro, foi a casa deles para romper o noivado. Ela sentiu-se constrangida e envergonhada, porque seu filho agrediu a noiva a ponto de ela ter que ser hospitalizada, com suspeita de contusão cerebral.

Algumas pessoas poderiam cogitar a possibilidade de a mãe de Pedro não querer mais conviver com ele, pois além de ter sido violento com a noiva, ele também tinha sido acusado de abuso sexual contra uma criança, quando esteve trabalhando em Portugal. Essas pessoas poderiam dizer: “Eu expulsaria um cara desses da minha casa. Eu jamais moraria com um sujeito como esse, mesmo sendo meu filho!”

No entanto, o que é mais comum é a situação de mães que não acreditam que seus filhos são capazes de fazer coisas como essas e acabam tentando encontrar justificativas, que não permitem que seus filhos sejam responsabilizados pelo que fizeram. E, mesmo quando as desculpas não são convincentes, como no caso da agressão de Pedro contra Maria, elas acabam ficando do lado deles. Elas encontram explicações do tipo que fazem com que a culpa seja atribuída a quem provocou a situação. Outras vezes, elas negam os fatos, dizendo que seus filhos estão sendo acusados injustamente. A negação das mães pode chegar ao extremo de serem elas mesmas vítimas da violência e abuso dos filhos e, ainda assim, não acreditarem que eles têm problemas e que precisam de ajuda. Outras vezes, elas, de imediato, expulsam o filho de casa, mas depois de pouco tempo acabam perdoando-o e acabam aceitando-o de volta. De forma geral,  as mães sofrem com o sofrimento de seus filhos, às vezes muito mais do que eles próprios estão sofrendo.
O amor materno é amplamente enaltecido em versos e prosas por poetas, e é comumente considerado um instinto. Ou seja, um comportamento/sentimento típico de mulheres. Um padrão comportamental que se manifesta de imediato quando elas são expostas a condições apropriadas.

De acordo com essa visão, esse instinto já se manifesta na infância, pois meninas gostam e brincam muito com bonecas, enquanto os meninos brincam com carrinhos e com bolas.

Entretanto, essa visão é questionada quando se observa que mães abandonam seus filhos, maltratam-nos e até chegam a matá-los, muitas vezes, quando ainda bebês. Também, não haveria a menor possibilidade de se considerar um aborto provocado, se isso fosse verdadeiro. Assim, não parece apropriado afirmar que o amor materno é inerente à condição feminina.

O fato de eu argumentar que essa hipótese não tem bases suficientes para ser sustentada, não quer dizer que não existam bases biológicas/herdadas (filogenéticas), para o desenvolvimento do padrão comportamental denominado tecnicamente de maternagem e no senso comum de amor materno. Todos os seres humanos, inclusive os homens, são sensíveis a uma série de estímulos que crianças e outras pessoas apresentam nos processos de interação, como o sorriso, o choro, o toque e muitos outros.
 
Para exemplificar, vou citar uma situação muito comum e que muitos dos meus leitores reconhecerão com facilidade. Temos uma tendência a conversar com bebês com um tom de voz mais agudo, falando devagar e pronunciando as vogais com maior ênfase. Esse jeito infantilizado de falar, provavelmente, se desenvolveu porque é mais fácil de o bebê compreender o que está sendo dito. Mas, ninguém ensina ao adulto que ele tem que fazer isso e, mesmo assim, homens que se julgam muito “homens”, ficam meio infantis diante de bebês. Essa tendência tem, provavelmente, origens filogenéticas.

 
A sensibilidade do adulto aos estímulos apresentados pelas crianças aumenta aprobabilidade de serem desenvolvidos padrões comportamentais complexos, como o amor materno e o amor paterno, na interação vivenciada pelo indivíduo ao longo de sua história. Por outro lado, existem evidências de que o amor e o cuidado para com os filhos sofreram uma grande alteração ao longo da história da humanidade. Em sua maioria, os comportamentos que são aprendidos ao longo da vida do indivíduo, também sofrem modificações na evolução da cultura, ou seja, são alterados de geração em geração. Assim, podemos concluir que o amor materno é um comportamento complexo, isto é, um padrão comportamental determinado tanto por fatores filogenéticos, fatores vivenciados pela pessoa ao longo de sua vida e por fatores culturais.

Verônica Bender Haydu
Professora da Universidade Estadual de Londrina
Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo

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