Como os pais podem favorecer o desempenho de crianças



Dentre as várias definições trazidas pela literatura, Fonseca (1995) define o termo dificuldades de aprendizagem como um conceito geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e/ou do raciocínio matemático.
Machado (1993) afirma que crianças com dificuldades de aprendizagem podem apresentar comportamentos de passividade, isolamento, apatia ou agressão, além de comportamentos encobertos como medo, frustração, raiva e outros. Além disso, Condemarim e Blomquist (1989 apud Peres, 1999) destacam que estas crianças apresentam: desinteresse pela leitura (levando a um menor contato com o material, o que contribui ainda mais para sua dificuldade); comportamentos passivos e falta de iniciativa; sentimentos de culpa frente suas dificuldades; e esquiva de situações que exigem participação ativa (evitando futuros fracassos).
 
Qualquer problema ou dificuldade de um indivíduo, na perspectiva da Análise do Comportamento, deve ser analisado em termos de comportamento, levando em conta a história – ontogenética, filogenética e cultural –, bem como as condições conseqüentes à emissão do comportamento em questão. Nesse contexto, os pais podem funcionar como agentes de mudanças ambientais e comportamentais (Sampaio, Souza e Costa, 2004), alterando as condições antecedentes, modelando as respostas envolvidas no processo de execução de atividades acadêmicas e conseqüenciando-as adequadamente.

Considerando que a família é o primeiro contato social da criança e é com ela que a criança passa a maior parte do seu tempo, é de extrema importância que os pais participem da vida acadêmica do filho (Souza, Goyos, Campaner e Silva, 2004). Esse envolvimento parental diz respeito às interações dos pais na realização dos trabalhos escolares do filho e ao encorajamento verbal e reforço direto de comportamentos, o que supõe suporte e monitoramento das atividades diárias, contribuindo para produzir melhoras no desempenho acadêmico da criança (Ferhaman, Keith e Reimers, 1987). O envolvimento ainda abrange idas à escola e participação em reuniões diversas e discussões sobre questões relacionadas ao ambiente familiar (SOARES, SOUZA e MARINHO, 2004).
Existem fatores, porém, que podem dificultar a participação ativa dos pais na vida escolar de seus filhos, como as mudanças constantes nas práticas de ensino, o desconhecimento dos assuntos que estão sendo trabalhados na escola, a falta de tempo, o nível de dificuldade apresentada pelo filho, os tipos de avaliações feita pela escola, os comportamentos gerais dos professores em relação aos pais e crianças, o desconhecimento de procedimentos de enfrentamento frente a problemas relacionados à vida escolar dos filhos, entre outros (SOARES, SOUZA e MARINHO, 2004).

Para que os pais possam contribuir o desenvolvimento de comportamentos facilitadores da aprendizagem dos filhos, alguns pontos devem ser levados em consideração. Esses pontos foram formulados tendo como base estudos, pesquisas e experiências descritas por vários
autores (Hübner, 2002; Marturano, 1999; Scarpelli, Costa e Souza, 2006; Soares, Souza e Marinho, 2004; Matos, 1993; entre outros) e serão descritos a seguir.
a) Estabelecimento de uma rotina organizada
Rotina se refere aos horários definidos para a realização das diversas atividades que a criança deve cumprir diariamente. A organização dessa rotina supõe a distribuição dos horários para os estudos (horário pra ir à escola, pra estudar e pra fazer tarefa) e para outras atividades (como brincar, fazer refeições e dormir).

Hübner (2002) ressalta que uma rotina sobrecarregada de atividades extra-classe interfere negativamente no desempenho escolar da criança. Quando os pais dão prioridades para outras atividades na vida dos filhos em detrimento das atividades acadêmicas, o problema se torna ainda maior.

Ferreira e Marturano (2002) fizeram um estudo buscando compreender a relação das características do ambiente familiar com o baixo rendimento escolar de crianças. De acordo com os resultados da pesquisa, as condições ambientais interferem diretamente no desempenho escolar das crianças. Segundo as autoras, a organização da rotina doméstica – que inclui atividades com horário definido e organização temporal e espacial para execução de tarefa de casa –, é um fator importante que favorece o bom desempenho escolar.
 
b) Supervisão e acompanhamento de tarefas
De acordo com a definição de Keith e Cooper (1986 apud Scarpelli, Costa e Souza, 2006) tarefa escolar é um trabalho que os professores atribuem aos alunos para ser concluído fora do período normal de aula, com o objetivo de estender a prática de habilidades acadêmicas a outros ambientes. A realização da tarefa escolar pode trazer muitas vantagens para os alunos, entre elas: o desenvolvimento de habilidades específicas (como a solução de problemas); motivação para a aprendizagem; aperfeiçoamento de hábitos de estudo e de atitudes em relação à escola; e responsabilidade (Eiliam, 2001 apud SCARPELLI, COSTA e SOUZA, 2006).
Considerando que a tarefa é realizada em casa, cabe aos pais supervisionar sua execução e verificar se a criança está cumprindo os horários estabelecidos na rotina. Pesquisas, como a de Marturano (1999), afirmam que a supervisão dos pais às tarefas dos filhos contribui diretamente com o progresso no desempenho escolar. Esta supervisão não significa fazer a tarefa pela criança ou dar a resposta correta. Quando isso ocorre, os pais reforçam positivamente o comportamento inadequado da criança (de sempre pedir e esperar pela resposta) e o comportamento dos pais é reforçado negativamente (por livrarem-se mais rapidamente da obrigação de ajudar os filhos na realização da tarefa). Tudo isso pode acarretar um aumento na freqüência dos comportamentos inadequados dos pais e dos filhos com relação ao estudo (Zagury, 2002; Soares, Souza & Marinho, 2004), o que, a longo prazo, pode trazer prejuízos ainda maiores.

c) Promoção de ambiente com recursos e instrumentos para o estudo
Um ambiente adequado para o estudo inclui um espaço físico arejado, iluminado, organizado e com pouco ruído. O ambiente apropriado somado com a disponibilidade de recursos materiais – como livros, dicionários e outros instrumentos acadêmicos – e o  
envolvimento dos pais pode favorecer o desenvolvimento acadêmico de uma criança (MARTURANO, 1999; HÜBNER, 2000; FEHRMANN, KEITH & REIMERS, 1987; entre outros).

d) Estabelecimento de interações positivas
O
s pais devem estabelecer condições que propiciem comportamentos relevantes para a educação de seus filhos. Para isso, os pais podem – e devem – incentivar, elogiar, encorajar e fornecer suporte aos filhos durante a execução da tarefa de casa, colaborando para o aumento do interesse e satisfação das crianças pelos estudos. Os elogios imediatos e contextuais relacionados às respostas da criança aumentam a probabilidade do comportamento de estudar.

Scarpelli, Costa e Souza (2006) ressaltam que a realização da tarefa é ainda uma boa oportunidade para demonstrar afeto e amor pelos filhos.

e) Exigência compatível com o desempenho da criança
É natural que os pais tenham expectativas quanto ao bom desempenho escolar do filho (Soares, Souza e Marinho, 2004). O problema é quando essa expectativa dos pais torna-se alta demais, gerando um grau elevado de frustração e um maior índice de desistência e de perda de interesse por parte da criança. É importante incentivar o filho, mas sem deixar que o anseio pelo bom desempenho traga prejuízos para a criança.

Infelizmente, muitos pais, ao invés de atentar para tais aspectos, estão mais atentos ao que
não deve ser feito e às punições pertinentes. Isso vai de encontro com o que afirma Sidman (1995): as ocasiões em que os pais mais interagem com seus filhos são os momentos de corrigir ou criticar. Muitas vezes, devido às reclamações da escola, os pais acabam acentuando o uso da punição em casa. Esse aumento no uso de conseqüências desagradáveis (broncas, sermões, castigos, humilhações, etc.) relacionadas à tarefa escolar tende a diminuir a freqüência desses comportamentos, reduzindo a probabilidade de ocorrência de comportamentos adequados em relação ao estudo.

Skinner (1953/1993) identifica lamentáveis subprodutos do uso da punição, tais como medo, ansiedade, culpa e falta de repertório socialmente adequado. Hübner e Marinotti (2000) ainda descrevem mais alguns alarmantes efeitos da utilização do sistema aversivo relacionados aos processos de aprendizagem: supressão de respostas (chamada popularmente de "branco" em provas e testes), respostas de fuga (desligar-se ou desistir), respostas de esquiva (procrastinação e lentidão) e baixo nível de autoconhecimento.

Além do uso da coerção pelos pais, crianças com dificuldades de aprendizagem cometem mais erros, e situações que geram erros são, também, punitivas (Matos, 1993). Dessa forma, o comportamento de estudar das crianças com dificuldades de aprendizagem pode ser freqüentemente punido não só pelos pais como pelo seu próprio desempenho, gerando uma diminuição na freqüência de respostas de estudar e um aumento na esquiva de situações de estudo por parte da criança. Como afirma Matos (1993), erros são aversivos e produzem paradas temporárias ou permanentes no comportamento.

Para que os filhos apresentem os comportamentos esperados pelos pais, o uso de coerção deve ser substituído pelo uso de reforçamento positivo (Silva e Marturano, 2002)
. Hübner (2002), através da sua experiência em atendimentos com pais de crianças que apresentam baixos desempenhos escolares, afirma que os pais que conseguiram mudar do

sistema aversivo para o sistema de reforçamento ou incentivo foram aqueles que obtiveram melhores resultados na evolução da vida escolar e satisfação de seus filhos.

O envolvimento dos pais com a vida acadêmica dos filhos, o estabelecimento de rotina, a reorganização do ambiente, o fornecimento de recursos e o uso de reforçamento positivo não são os únicos fatores que devem ser levados em consideração, quando se fala sobre uma criança com dificuldades de aprendizagem. As orientações do texto, se somadas com o acompanhamento de outras áreas, como a pedagógica, pessoal e social, certamente garantem uma considerável melhora no desempenho escolar dos filhos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FEHRMANN, P. G.; KEITH, T. Z.; REIMERS, T. M. Home influence on school learning: direct and indirect effects of parental involvement on high school grades. Journal of Educational Research, 80 (6), 330-337, 1987.

FERREIRA, M. C. T.; MARTURANO, E. M. Ambiente familiar e os problemas de comportamento apresentados por crianças com baixo desempenho escolar. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 15, n. 1. Porto Alegre, 2002.

FONSECA, V.
Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

HÜBNER, M. M. A importância da participação dos pais no desempenho escolar dos filhos: ajudando sem atrapalhar. BRANDÃO, Maria Zilah da Silva; CONTE, Fátima Cristina de Souza; e MEZZAROBA, Solange Maria Beggiato (orgs.). Comportamento humano: tudo (ou quase tudo) que você gostaria de saber para viver melhor. Santo André: ESETec Editores Associados, 2002.

HÜBNER, M. M. C.; MARINOTTI, M. Criança com problemas escolares. In: Estudos de caso em Psicologia comportamental infantil II. Campinas, SP: Papirus, 2000.

MACHADO, V. L. S. Dificuldades de aprendizagem e a relação interpessoal na prática pedagógica. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 3, p. 16-37, 1993.

MARTURANO, E. M. Recursos no ambiente familiar e dificuldades de aprendizagem na escola. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 15, p. 135-142, 1999.

MATOS, M. A. Análises de contingências no aprender e no ensinar. In: ALENCAR, E. S. (Org). Novas contribuições da psicologia aos processos de ensino e aprendizagem
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PERES, E. A. Problemas de interação social e dificuldade de leitura: o paradigma da equivalência aplicado a um caso clínico. Monografia (Especialização em Psicoterapia na Análise do comportamento). Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 1999.

SAMPAIO, A. C. P.; SOUZA, S. R.; COSTA, C. E. Treinamento de mães no auxílio à execução da tarefa de casa. In: BRANDÃO, M. Z. S. et. al. (orgs). Sobre comportamento e cognição - entendendo a psicologia comportamental e cognitiva aos contextos da saúde, das organizações, das relações pais e filhos e das escolas.
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SCARPELLI, P. B.; COSTA, C. E.; SOUZA, S. R. Treino de mães na interação com os filhos durante a realização da tarefa escolar. Estudos de Psicologia. Vol. 23, n. 1, p. 55-65. Campinas, SP: 2006 
SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy II, 1995.

SILVA, A. T. B.; MARTURANO, E. M. Práticas educativas e problemas de comportamento: uma análise à luz das habilidades sociais. Estudos de Psicologia. Vol.7, n.2. Natal, 2002.

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993 (Texto original publicado em 1953).

SOARES, M. R. Z., SOUZA, S. R. de; e MARINHO, M. L. Envolvimento dos pais: incentivo à habilidade de estudo em crianças  . Estudos de Psicologia. Vol.21, n.3, p. 253-260. Campinas,  SP: 2004.

SOUZA, S. R.; GOYOS, A. C. N.; CAMPANER, E. C.; SILVA, F. A. M. Procedimento de construção de anagramas: treinamento em grupo de mães de crianças com dificuldades de aprendizagem. In: BRANDÃO, M. Z. S. et. al. (orgs). Sobre comportamento e cognição - entendendo a psicologia comportamental e cognitiva aos contextos da saúde, das organizações, das relações pais e filhos e das escolas. Vol. 14. Santo André: ESETec Editores Associados, 2004.

ZAGURY, T. Escola sem conflito: parceria com os pais. Rio de Janeiro: Record, 2000

Por Carina Paula Costelini

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