Pesquisa monitora o cérebro de crianças com problemas de conduta e descobre: elas reagem menos à dor alheia

Estudo sugere que atividade cerebral de crianças pode ser vista como fator de risco para desenvolvimento de psicopatia na idade adulta
Pesquisadores mostram que, em crianças agressivas e violentas, as áreas
cerebrais responsáveis pela empatia são menos ativadas pelo sofrimento alheio.
(Thinkstock)
 
As origens do comportamento cruel apresentado por criminosos e psicopatas pode estar no cérebro. Um estudo publicado nesta quinta-feira no periódico Current Biology monitorou a atividade cerebral de crianças inglesas que apresentavam problemas de conduta. A pesquisa deixou claro que o cérebro dessas crianças, quando são confrontadas com imagens de pessoas sofrendo, reage de maneira diferente da maioria das outras: as áreas associadas à empatia se mostram menos ativas em reação à dor alheia. Diante dos resultados, os cientistas sugerem que a análise da atividade cerebral de crianças ao testemunhar cenas de sofrimento pode ajudar a apontar fatores de risco para o comportamento antissocial e a psicopatia na fase adulta.
 

Jovens com transtorno de conduta apresentam uma série de comportamentos que violam os direitos alheios, como agressão física, crueldade, roubo e falta de empatia em relação às outras pessoas. As crianças com esse tipo de comportamento têm maiores chances de se tornar adultos violentos e ter comportamentos antissociais. Na Inglaterra, onde o estudo foi conduzido, cerca de 5% das crianças parecem ter esse tipo de problema.
 
No novo estudo, os pesquisadores usaram imagens de ressonância magnética para descobrir se o cérebro dessas crianças com desvio de conduta reagia de modo diferente a fotografias de outras pessoas sofrendo. Como resultado descobriram que, em relação às outras crianças, áreas como a ínsula anterior, o córtex cingulado anterior e o giro frontal inferior — todas associadas à empatia — ficaram menos ativas.
 
Segundo os pesquisadores, isso não quer dizer necessariamente que toda criança com problemas de conduta tem a mesma reação ao sofrimento, e nem que qualquer em que demonstre esse tipo de padrão cerebral vá se tornar um adulto problemático — na verdade, a maior parte deixa esse tipo de comportamento para trás durante seu desenvolvimento.
 
"Nossa descoberta indica que crianças com problemas de conduta têm uma resposta cerebral atípica ao ver outras pessoas sofrendo. O importante é ver essas descobertas como um indicador de vulnerabilidade, em vez de um destino biológico. Nós sabemos que crianças são bastante suscetíveis a intervenções, e o desafio é fazer essas intervenções ainda melhores", diz Essi Viding, pesquisadora da University College London responsável pelo estudo.
 
Vulnerabilidade – Os pesquisadores também analisaram as diferenças de comportamento dentro do grupo das crianças com problemas de conduta, separando os indivíduos mais insensíveis e que demonstravam menos emoções. Essa indiferença emocional é uma importante característica dos psicopatas, e sua presença na infância pode ser vista como fator de risco para o desenvolvimento da condição na vida adulta.
 
Os cientistas descobriram que, em relação à dor alheia, o grupo apresentou uma atividade ainda menor na ínsula anterior e no córtex cingulado anterior. "Nossa pesquisa mostra muito claramente o fato de que nem todas as crianças com problemas de conduta têm a mesma vulnerabilidade neurobiológica — algumas podem ser mais vulneráveis à psicopatia, enquanto outras não. Isso traz a possibilidade de adaptarmos as intervenções existentes para se adequar aos perfis específicos que caracterizam as crianças com problemas de conduta", disse Essi Viding.
 
Fonte: Veja 

“Ai, que vergonha…”: Algumas palavras sobre a timidez infantil


A timidez [1] ilustra um padrão de comportamento caracterizado por déficit de relações interpessoais e uma tendência estável e acentuada de fuga ou evitação do contato social com outras pessoas. Este padrão abrange pessoas de todas as idades, muitas vezes iniciando na própria infância. Porém, surpreendentemente recebe atenção insuficiente das famílias, da escola e dos profissionais que trabalham com o público infantil. E nesse caso, nem sempre o tempo se encarrega da reversão do quadro: muitos adultos tímidos já foram crianças socialmente inibidas. Mas afinal, o que é a timidez, quais as medidas preventivas e em que consiste o tratamento? São as questões que serão respondidas neste texto.
 
Tecnicamente, a timidez está categorizada no âmbito dos comportamentos internalizantes, ou seja, comportamentos inadequados que se expressam “para dentro”, tendo como destinatário o próprio sujeito que o emite. A outra categoria, que abrange comportamentos que se expressam para fora (como agressividade, por exemplo), tem como destinatários os demais e, portanto, se torna mais visível aos olhos por perturbar e alterar o meio onde são produzidos.
 
No contexto escolar, ambiente onde alunos com menos agitação motora e que produzem menos barulho são desejáveis para o bom andamento das aulas, as crianças tímidas são muitas vezes elogiadas pelo seu comportamento retraído. Na família, também é possível verificar pais ou avós se vangloriando por terem filhos bem comportados, que não mexem nos pertences alheios ou que não fazem travessuras.
 
Como se pode perceber, a timidez enquanto comportamento internalizante não chama muito a atenção dos demais, visto que o prejudicado é o próprio indivíduo. No entanto, quando o embaraço diante de uma exposição se faz visível aos olhos (como quando uma criança é levada ao quadro para resolver uma tarefa ou quando precisa fazer uma leitura em voz alta perante um público) é que se tem uma dimensão da profundidade do problema. Porém, o alvo do prejuízo comportamental (se o próprio sujeito ou outras pessoas) não determina a gravidade da perturbação. Ou seja, os comportamentos internalizantes não são menos importantes ou menos danosos que os demais: estes também precisam de intervenção profissional para que haja melhor desempenho social e qualidade de vida.
 
Na Psicologia, o grau de dificuldade relacional pode ser classificado de acordo com a motivação para a aproximação e a evitação. Quanto a isso, existem as classificações: baixa sociabilidade, baixa aceitação social, a timidez propriamente dita e o estilo de relação passivo ou inibido.
 
Refere-se à baixa sociabilidade quando se trata de crianças que tem uma baixa motivação de aproximação social; porém, não há necessariamente um alto grau de evitação. São aquelas crianças que preferem estar sozinhas ao invés de acompanhadas. Não há a presença de ansiedade social e, quando exposta a grupos, a pessoa costuma apresentar bom desempenho nas conversações. Nos primeiros anos da infância, uma baixa sociabilidade não costuma ser desadaptativa. No entanto, em fases posteriores, esta baixa sociabilidade é apontada como um risco.
 
Quando há uma baixa frequência de interação social motivada por uma baixa aceitação dos demais, sendo excluídas e/ou esquecidas pelos colegas, tem-se o retraimento por baixa aceitação social. Algo que chama a atenção é que crianças rejeitadas são mais vulneráveis a problemas exteriorizados (como agressão, impulsividades, entre outros), acarretando um risco significativo ao desenvolvimento infantil e à sociedade.
 
Por outro lado, a timidez propriamente dita envolve aquelas crianças que estão motivadas à aproximação, mas também à evitação. Ou seja, elas gostariam de interagir com os outros, mas acabam evitando o contato por determinadas razões, como o excesso de cautela e receio diante de avaliações e desaprovações.
Existe também a categoria de timidez referente ao estilo passivo nas relações interpessoais. Para tanto, é mister abordar a assertividade, termo que se refere à expressão direta dos próprios sentimentos e a defesa dos próprios direitos pessoais, sem ferir ou negar os direitos dos outros. Neste âmbito, observa-se que as pessoas tímidas costumam agir de forma passiva nas relações interpessoais. Ou seja, há a violação de seus próprios direitos pela dificuldade ou impossibilidade de expressar sentimentos, pensamentos e opiniões. Assim, a pessoa se anula perante os outros, mesmo tendo o direito de se posicionar e de se mostrar aos demais.
 
Uma pessoa passiva, portanto, é uma pessoa dita inibida, introvertida, que muitas vezes se frustra por não conseguir atingir seus objetivos. Sem expressão, os outros se adiantam em resolver seus problemas ou a decidir por elas. Temendo deteriorar a relação com os outros (ou de ser mal compreendida), adota comportamentos de submissão, esperando que as outras pessoas percebam suas próprias necessidades e anseios. Como se pode observar, este tipo de comportamento tem como objetivo apaziguar os outros e evitar conflitos. Assim, esquivar ou fugir dessas situações ansiógenas é muito cômodo, o que favorece a manutenção do quadro.
 
Acompanhando estas linhas, o leitor pode constatar que crianças passivas são facilmente presas de pessoas mal intencionadas, havendo risco de serem avassaladas ou ameaçadas pela ausência ou deficiência da expressão. Assim, poderão ser manipuladas e controladas pelos demais e não defenderão seus próprios direitos e anseios. Ou seja, poderão aceitar brincar de um jogo que na verdade não gostam, comportar-se em discordância com seus valores e opiniões para evitarem a exclusão social, entre outros exemplos.
 
Dessa forma, a timidez pode ser constatada a partir da observação e da comparação com os demais colegas. Por exemplo, os tímidos costumam se manter mais quietos em comparação aos outros colegas, não tiram dúvidas em sala de aula, não começam nem mantém diálogos com os demais, passeiam sem cumprimentar os transeuntes (geralmente, com postura evitativa, olhando para baixo), em atividades grupais costumam ficar calados e acatarem as opiniões dos demais. Ficam mais solitárias e, quando não, interagem bem menos do que seria possível.
 
Muitas vezes, tais comportamentos são acompanhados de níveis significativos de ansiedade, medo, preocupações e pensamentos negativos diante de contextos interpessoais que impliquem avaliação dos demais (como ler em voz alta, resolver um problema no quadro, fazer uma apresentação na feira de ciências, por exemplo). Com a ansiedade, pode haver tremores, suor nas extremidades, gaguejos, rubor, náuseas ou calafrios. Assim, com estas sensações aversivas, muitas vezes a criança pode evitar o contato social e seus efeitos colaterais, assim como a exposição e as avaliações sociais. Ao passo disso, a timidez afeta também o autoconceito, a autoestima e o senso de eficácia.
 
Manifestando-se na infância, mas sem reversão do quadro, as dificuldades são passadas para as fases posteriores do desenvolvimento, muitas vezes mais graves. Já na fase adulta, as então crianças tímidas provavelmente terão dificuldades com autoestima, no mercado de trabalho e também no âmbito afetivo-sexual. Sem posicionarem-se adequadamente, aceitarão o que de fato não querem (como uma relação afetiva sem perspectivas), submeter-se-ão a situações aversivas por não conseguirem resolver problemas (como a um chefe coercitivo, por exemplo), assim como também poderão ter dificuldades em fazer amizades.
 
Como qualquer outro comportamento, o critério para que um padrão seja considerado um problema é haver prejuízo em algum âmbito da vida. Assim, se a timidez passa de um “charme” ou uma maneira reservada de interagir para algo que prejudica a socialização e/ou o desempenho acadêmico, recomenda-se procurar ajuda profissional. Dessa forma, evita-se o agravamento do quadro para Fobia Social e também para prejudica as outras fases do desenvolvimento.
 
A título de ilustração, algumas medidas recomendadas para abordagem de retraimento social são as práticas desportivas e as atividades artísticas. Por exemplo, o teatro desenvolve a expressão corporal, emocional e a fluência verbal através da exposição. No âmbito de tratamento, nas terapias comportamentais existem técnicas que aprimoram o repertório social, ao mesmo tempo em que são trabalhados os comportamentos privados (pensamentos) e as emoções, como a ansiedade. Alguns exemplos são o Treino de Habilidades Sociais e os exercícios de relaxamento. Assim, com a psicoterapia, a criança tímida pode aprender repertórios mais adaptativos de interação social e, assim, favorecer o seu desenvolvimento psicossocial e afetivo.
 
[1] O termo timidez tecnicamente é chamada de retraimento social, mas também tem várias outras denominações, como inibição e introversão. Neste texto, estes termos serão utilizados sem distinção de significados
Juliana de Brito Lima é Psicóloga (CRP 11ª/05027), formada pela Universidade Estadual do Piauí e especializanda em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento – IBAC. É membro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC. Atua como psicóloga clínica em Teresina-PI (Clínica Lecy Portela, onde atende criança, adolescente e adulto), realizando orientação online através do Instituto de Psicologia Aplicada – InPA. Também atua como psicóloga forense no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, na Comarca de Caxias. Atuou como pesquisadora no Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná/ NAC-UFPR (linha de pesquisa “Desenvolvimento da criança e do adolescente em situações adversas”) e atualmente está vinculada ao Laboratório de Neurociências Cognitivas da Universidade Estadual do Piauí- UESPI. Contato: juliana@inpaonline.com.br.