"Sou uma excelente babá, o que os americanos chamam de 'soccer mom'. Acompanho meus filhos em todos os lugares. Levo para treinar futebol e fico lá, esperando, no frio."
Essa com certeza não é a primeira imagem que vem à
mente quando alguém pensa em Diogo Mainardi, o colunista mais ácido dos anos
Lula, aquele que chamava o ex-presidente, entre outras coisas, de gordinho
oportunista. Mas é, segundo o próprio, a que melhor define sua vida hoje.
Mainardi, 48, mudou? Em vários aspectos, sim. 2010
foi um ano de abandonos. Abandonou o gosto de escrever sobre política nacional
e de interferir no debate do país em uma coluna semanal que teve na
"Veja" por quase 12 anos. Abandonou o Rio de Janeiro, onde morava
desde 2003.
"Passei a dar ainda mais valor à minha introspecção
familiar. Tudo tem dimensão microscópica na minha vida hoje, e meus interesses
são bastante pequenos", afirma.
Voltou a morar em Veneza, num prédio construído no
século 15 e que fica no Grande Canal, a principal "avenida" da
cidade, se tivesse avenidas em vez de canais. De suas três janelas, observa o
esplendor da arquitetura renascentista.
É com essa paisagem que trabalha no livro que
escreve sobre o filho mais velho, Tito, de dez anos. Espera lançá-lo neste ano.
"É sobre a minha experiência de ter um filho
com paralisia cerebral. Não quero parecer pretensioso, mas é um pequeno ensaio
sobre a diversidade. Terá comentários sobre essa experiência fascinante e
absolutamente revolucionária na minha vida. Ela mudou tudo. Colocou tudo do
avesso. Todas as minhas veleidades foram para o brejo."
Tito nasceu em 2000, nessa mesma cidade, onde
Mainardi morava com a mulher, Anna, uma veneziana especializada em história da
arte.
"Era um sábado, pegamos uma obstetra que
estava com vontade de ir embora para casa. Tentou acelerar tudo e fez uma
enorme bobagem."
A bobagem foi a compressão do cordão umbilical, o
que interrompeu a oxigenação. Como resultado, o menino tem problemas de
locomoção e de fala. Mas é um garoto sorridente, que adora fazer amigos e
brincar com computadores e celulares.
Numa coluna de 2001, chamada "Meu Pequeno Búlgaro", Mainardi contou aos leitores sobre o filho. Na época, se
perguntava se o menino depois não se incomodaria de ter sido exposto
publicamente.
Hoje, diz não ter mais esse medo. "Meu filho
sabe que estou escrevendo sobre ele. Não o incomoda de jeito nenhum. Quando a
exposição não é exibicionista, não há por que ter medo. Além disso, a paralisia
cerebral é tão dele quanto minha."
Mainardi afirma não ter interesses pedagógicos com
a obra. "Na época da coluna, eu tinha alguns propósitos, como quebrar o
estigma contra as pessoas com paralisia. Eu não vivi essa situação com dor.
Quando você vê de fora, deve imaginar que é uma tragédia, um drama para a
família. Eu achava pedagógico mostrar que não era assim. Agora, é apenas
especulação intelectual."
O autor diz estar se lixando para aqueles que vão
enxergar no livro um processo catártico. "Estou fazendo o livro de um
jeito amplo. Falo de muitas coisas, de infanticídio durante o nazismo à
arquitetura veneziana."
O filho é responsável por muitas das suas mudanças.
Em 2002, o menino necessitava de fisioterapia intensiva e diária.
"Aqui não tinha. O sistema de saúde público da
Itália é uma porcaria e não há opção de encontrar um bom profissional privado,
que atenda em casa. Descobrimos uma ótima fisioterapeuta no Rio. Ao mesmo
tempo, recebi uma proposta para trabalhar no Manhattan Connection, e minha
participação podia ser gravada no Rio. Juntaram as duas coisas: meu filho faria
o tratamento e eu teria mais um emprego para juntar uma herança que garantisse
o futuro dele."
A volta para Veneza também tem a ver com o filho.
"Foram outras combinações de fatores: a fisioterapia já não faz mais
diferença para ele. Além disso, o Tito, enfim, ganhou o processo contra o
hospital onde ocorreu o parto, e a indenização já garante o futuro dele. Não
preciso mais de um triplo emprego. E hoje posso gravar o Manhattan daqui, da
minha sala."
Por: VAGUINALDO MARINHEIRO
Reportagem na integra: Folha.com
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